Com o retorno do Bitcoin à capitalização de um trilhão de dólares, alcançado primeiramente em fevereiro deste ano[1], se torna cada vez mais evidente a magnitude e a importância dos criptoativos na economia global, sobretudo no atual cenário de inflação generalizada.
Aliás, inúmeros bancos e empresas globais passaram a se expor ao risco dos criptoativos, assumindo a tese de suposta proteção contra a inflação decorrente da emissão em massa de dinheiro por parte dos governos, na forma de auxílios, empréstimos a juros baixíssimos e concessões públicas.
Essa crescente expansão do mundo cripto tona necessário questionar não somente os aspectos regulatórios das criptomoedas e seus derivados, os quais denominamos genericamente de criptoativos, como também dos seus aspectos tributários, especialmente diante das diversas formas pela qual pode se auferir estes ativos.
No caso específico das criptomoedas, já há manifestação do Banco Central do Brasil afirmando que as moedas virtuais, enquanto representações digitais de valor, não se confundem com as moedas eletrônicas, sendo essas últimas regulamentadas como recursos em reais depositados eletronicamente[2].
Tributariamente, por sua vez, a Receita Federal do Brasil assume os criptoativos como um ativo equiparado ao ativo financeiro, sujeito ao ganho de capital e à declaração anual. Citamos:
Os criptoativos, tais como as moedas virtuais (Bitcoin – BTC, Ether – ETH, Litecoin – LTC, Teher – USDT, entre outras), não são considerados como ativos mobiliários nem como moeda de curso legal nos termos do marco regulatório atual. Entretanto, podem ser equiparados a ativos financeiros sujeitos a ganho de capital e devem ser declarados pelo valor de aquisição na Ficha Bens e Direitos[3]
Não obstante as orientações dadas pelo Fisco, ainda remanescem diversas dúvidas sobre a forma pela qual deve ser declarado e especialmente como deve ser apurado o ganho de capital sobre as inúmeras operações pelas quais se recebem criptoativos.
Em brevíssima síntese, os criptoativos podem ser recebidos de diferentes maneiras, dentre as quais destacamos: a) a simples comercialização, em dinheiro ou pela troca desses ativos; b) pela mineração e; c) por meio do acúmulo em poupanças virtuais ou stakings.
A comercialização, como cediço, pode ocorrer não só mediante aquisição em dinheiro, mas também por meio da permuta entre criptoativos mensurados ao valor de mercado cotado na respectiva exchange.
Já a mineração, em grossíssimo modo, diz respeito ao recebimento de criptoativos como uma forma de recompensa pelo esforço empreendido do usuário ao viabilizar o funcionamento da blockchain, mediante a validação e o registro das transações ocorridas dinamicamente na rede[4]. É o que se denomina por Proof of Work.
O staking de criptoativos, também chamado por Proof of Staking, funciona de maneira semelhante a uma poupança, em que o investidor participa da “construção” da rede oferecendo seus criptoativos como prova de participação na validação das transações geradas na blockchain, que, por seu turno, permanecerão bloqueados por uma determinada quantidade de dias e, em contrapartida, esse investidor receberá uma recompensa pré-fixada ou determinada de acordo com o mercado.
Para cada uma dessas operações entendemos haver diferentes implicações, tanto no custo a ser declarado, quanto na apuração de ganho de capital.
A compra e venda de criptoativos em exchange, em equiparação fiscal aos ativos financeiros, deve ser contabilizada por seu valor de aquisição e o ganho de capital apurado com base no valor da venda, respeitando a isenção de vendas mensais até R$ 35.000,00 , de acordo com o art. 22, inciso II da Lei nº 9.250 de 1995.
De maneira semelhante, a troca desses ativos virtuais, tal como a compra de outro criptoativo por meio do Bitcoin, por exemplo, enseja a apuração de ganho de capital pela diferença entre a cotação do ativo adquirido, subtraído o custo de aquisição do Bitcoin utilizado como pagamento[5], pois, embora seja uma autêntica permuta sem torna, não há previsão legal para sua não tributação, tal como ocorre com bens imóveis[6].
A atividade de mineração, por outro lado, não é expressa em nenhum momento pela legislação fiscal[7]. Entendemos, todavia, que sua recompensa não se trata de produto de capital e nem do trabalho, tampouco se caracterizam como provento capaz de gerar acréscimo patrimonial, pois, o que existe, efetivamente, é a geração de um bem novo através de um “autotrabalho”[8], de modo que a disponibilidade econômica ou jurídica sobre uma eventual renda deverá ser apurada tão somente quando na alienação desses ativos. Tanto o é que o custo dessa ativo a ser declarado é o valor de zero reais. Este é o pensamento de Tathiane Piscitelli, por exemplo[9].
Portanto, cabe ao minerador de criptoativos o dever acessório de declarar a propriedade desses ativos na Ficha de Bens e Direitos e, na eventualidade da sua alienação, apurar o imposto de renda sobre o ganho de capital auferido sobre o custo de aquisição de zero reais.
Por último, depreendemos que a recompensa pelo staking de criptos deve receber tratamento semelhante ao dado pela mineração, pois se trata da geração de novos ativos, do zero, pela sua participação no sistema, mediante a disponibilização de ativos pré-existentes e de propriedade do investidor, que permanecem bloqueados durante um determinado período.
Não há, de igual maneira, qualquer disponibilidade jurídica ou econômica no recebimento desses ativos como recompensa, os quais somente deverão ser levados a tributação no momento da sua venda, cujo custo a ser deduzido é o de zero reais.
Em título de curiosidade, destacamos que a tributação sobre a renda no staking foi recentemente questionada por um casal norte-americano, que, embora tenha efetuado o recolhimento do income tax sobre o recebimento da recompensa, julga entender devida a tributação somente no momento em que ocorrer sua efetiva venda. O caso aguarda seu desfecho no estado do Tennessee[10].
[1] Disponível em https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-02-19/bitcoin-nears-1-trillion-value-as-crypto-jump-tops-other-assets
[2] O que são moedas virtuais?
As chamadas “moedas virtuais” ou “moedas criptográficas” são representações digitais de valor, o qual decorre da confiança depositada nas suas regras de funcionamento e na cadeia de participantes.
Não são emitidas por Banco Central, de forma que não se confundem com o padrão monetário do Real, de curso forçado, ou com o padrão de qualquer outra autoridade monetária.
Além disso, não se confundem com a moeda eletrônica prevista na legislação, que se caracteriza como recursos em Reais mantidos em meio eletrônico, em bancos e outras instituições, que permitem ao usuário realizar pagamentos e transferências.
Disponível em: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/perguntasfrequentes-respostas/faq_moedasvirtuais;.
Pergunta 445 do Perguntas e Respostas IRPF 2021 v1.2. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/declaracoes/dirpf.
[4] Sobre o tema: https://www.forbes.com/advisor/investing/what-is-blockchain/.
[5] Art. 3º, §3º da Lei 7.713 de 1998.
[6] Art. 132, II do RIR 2018 (Decreto nº 9.580 de 2018).
[7] Os Estados Unidos, ao contrário, EUA já se manifestou pela tributação como rendimento próprio, conforme o IRS Notice 2014-21.
[8] RUBISTEIN, Flavio; VETTORI, Gustavo G. Taxation of investments in Bitcoins and other virtual currencies: international trends and the Brazilian approach. 2018, p. 29. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3135580>.
[9] Revista de Direito Tributário Atual 40/ 2018. Criptomoedas e os possíveis encaminhamentos tributários à luz da legislação nacional.. Disponível em: <https://ibdt.org.br/RDTA/criptomoedas-e-os-possiveis-encaminhamentos-tributarios-a-luz-da-legislacao-nacional/>.
[10] Jarrett v. United States. (M.D. Tenn. May 26, 2021)
Por: Thales Motti Fernandes